quarta-feira, 24 de junho de 2020

ESCRAVIDÃO NO RIO GRANDE DO SUL

É de praxe lermos por aí (até de alguns historiadores) que a escravidão no Rio Grande do Sul foi mais amena. Ledo engano! Por aqui houve muita crueldade, muitas práticas tristes, muito horror e tudo o mais, tanto quanto no resto do país. Para explicar um pouco disso, deixo com vocês uma síntese que fiz sobre o texto “A Produção Charqueadora e Mão de Obra Servil”, do historiador Jorge Euzébio Assumpção; e do curta-metragem “O Continente de São Pedro”, nos seus episódios 7 e 8, exibidos pela RBSTV em 2002. Quem tiver interesse em adquirir esse material pode entrar em contato comigo por e-mail, pois ele é difícil de ser encontrado na internet (e isso deve ter um motivo, por isso também não vou disponibilizar). Enfim, bons estudos e Vrindecrivo!

Situação dos trabalhadores nas charqueadas
Por conta da distância e das estradas com inúmeros obstáculos e dificuldades de travessias, o território do atual Rio Grande do Sul não tinha o mesmo fluxo que o Nordeste ou a capital da colônia. Por isso, os contatos comerciais e de desembarque de novos moradores eram mais desenvolvidos nas regiões litorâneas, principalmente perto do porto de Rio Grande.
As atividades comerciais então na região de Pelotas começaram a se desenvolver e os principais estabelecimentos charqueadores foram instalados por ali. As exportações da Capitania de São Pedro não se limitavam ao território da colônia, e iam também para vários outros lugares no mundo que mantinham esse contato comercial.
Pelotas era a cidade mais importante da região no século XIX, e, segundo o documentário “Continente de São Pedro”, muitos perguntavam por qual motivo ela não era a capital (que já estava em Porto Alegre). Tanto no documentário quando no texto de Jorge Eusébio Assumpção, há um tempo dedicado para mostrar a formação da cidade de Pelotas, com sua alta cultura e crescimento exacerbado para a época e diferente de todo o resto da capitania e província (pois ocorreu do final do século XVIII até meados do século XIX). Mas, o mais importante para se analisar é que por trás de todo esse crescimento e dessa pompa europeia, estavam muitos e muitos trabalhadores escravizados.
Consta que no ano de 1822 Pelotas tinha cerca de 22 estabelecimentos de charque, e cada um deles tinha cerca de oitenta trabalhadores escravizados, alguns chegando a mais que o dobro disso. O status dos donos desses estabelecimentos era notório, e muitos deles contribuíam inclusive financeiramente com o Estado, para a execução de obras públicas e benfeitorias para a própria cidade (como a Santa Casa, por exemplo). Eles também enfrentavam problemas como a concorrência da região do Prata e as tributações que precisavam enfrentar, o que seria futuramente uma das causas da Revolução Farroupilha. Logo, a economia gaúcha era muito influenciada por essas produções, dependendo então exageradamente da mão-de-obra escrava para manter-se e prosperar.
Sobre a minimização que alguns autores fazem sobre a utilização de mão-de-obra escrava no atual Rio Grande do Sul, tanto o texto quanto o documentário provam que é uma mentira e até uma injustiça com os descendentes desses. Nos estabelecimentos charqueadores, a escravidão marcou presença forte, indiscutivelmente, e a situação dos escravizados é análoga às daqueles que trabalhavam nas plantações de cana e café no restante do país, dos quais mais ouvimos falar. Jorge Euzébio Assumpção diz que a tese da pouca participação do negro na formação do Rio Grande do Sul não se sustenta, e apresenta dados que comprovam a afirmação.
A mão-de-obra escrava era utilizada nas charqueadas principalmente porque não havia trabalhadores livres que queriam sujeitar-se aos serviços pesados que o ofício exigia. Apesar disso, consta que nelas havia um pequeno número de trabalhadores assalariados, em outras funções (cerca de dez, frente aos oitenta escravizados já citados).
As famílias escravizadas também não eram incentivadas, pois os senhores preferiam trabalhadores homens e sem vínculos nas charqueadas. As mulheres escravizadas faziam outros serviços na própria charqueada ou então nas casas das famílias que eram donas delas. O documentário mostra que existem ainda hoje ruínas dessas casas, quase sempre palacetes. As senzalas ficavam geralmente nos porões, e forneciam o que os negros poderiam chamar de “descanso” após longas rotinas de trabalhos.
Por fim, Jorge Euzébio de Assumpção aborda as fugas e as preocupações com elas. A maior era que os escravos “fujões” acabassem apoiando as colônias espanholas na fronteira, ajudando nas lutas com a portuguesa. Outra era com a formação dos quilombos, que também foi uma prática daqui. Vemos que os escravizados que fugiam e eram capturados acabavam marcados com ferro em brasa, com a letra F. O mais importante dos quilombos era o de Manoel Padeiro, que pela organização, causava pânico nas cidades, pois temiam uma revolução vinda de lá.
A conclusão, tanto de Jorge Euzébio de Assumpção, quanto do documentário da RBSTV, é de que o processo charqueador foi a mais importante atividade econômica da região, e que foi totalmente construída em cima do sangue e do trabalho forçado de milhares de negros escravizados. A escravidão na região do atual Rio Grande do Sul existiu, não exatamente acabou antes, e foi tão cruel quanto no resto do Brasil, e não tem motivo para ser “amenizada”. Reconhecer isto é um passo importante na luta atual contra o racismo e ajuda a combater a visão errônea de que os europeus aqui trataram os africanos de forma diferente.


(IMAGEM: Seres humanos escravizados trabalhando na produção de charque. Representação da realidade da formação do atual Rio Grande do Sul. Acesso em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/04/charque-gaucho.jpg )

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