Eu era criança e comecei
a me interessar por futebol. Às vezes eu visitava e
passava uns tempos em Pelotas. Sempre que eu conversava sobre esporte com
determinadas pessoas de lá, e principalmente do esporte local, eu ouvia frases de
desprezo ao time vermelho e preto. Na minha cabeça, era normal, assim como
Grêmio e Inter, nós azuis queremos sempre o pior (em campo) para os vermelhos.
Fui percebendo, no
entanto, que aquele discurso sempre vinha com estereótipos: torcida bandida,
favelada. Pobre, violenta etc. Minha cabeça infantil assimilava essa fala, e,
provavelmente a repetia. O Pelotas, grande Lobão, é o time de gente decente; O
Brasil é o time dos bandidos.
Saio do interior rapidinho
para traçar um paralelo com os times da capital: não é exatamente a mesma
coisa? Esse discurso excludente e preconceituoso não aparece até hoje na boca
de alguns gremistas? Eu já fui torcedor de estádio, e pior, já frequentei a
Geral do Grêmio nos tempos de Olímpico. Nunca falei, mas cantei macaco
nas músicas que continham essa palavra. A justificativa que me convencia? É
só uma música. É estádio, vale tudo. Não é racismo, é porque macaco imita.
Enfim, morro de vergonha desses dias, mas tenho a consciência tranquila de que
eu não entendia o que estava acontecendo e muito menos tinha noção de que estava fomentando (e
sendo cúmplice de) um crime.
Voltando para Pelotas,
lembro de quando pesquisei pela primeira vez sobre o Brasil e sua história.
Depois daquele acidente horrível com o ônibus da delegação em 2009, eu descobri
que o primeiro campeão gaúcho tinha a maior torcida do interior. Uma torcida
trabalhadora e fanática, que era capaz de fazer maravilhas pelo amor ao seu
time. Entendi que o preconceito que eu escutava era porque a sede do clube era
num bairro periférico, que atraia as massas e a população mais empobrecida,
diferentemente do clube do Centro. Passei a desconstruir a visão negativa e
transformá-la em uma simpatia.
Essa divisão social em
clubes de futebol não existe. Uma vez meu primo, na maior inocência, perguntou
para o meu pai: “tio, por que tu é gremista se tu sempre foi pobre?”.
Ora, essa pergunta veio na cabeça dele pela desinformação passada pela irmã, de
que o Inter era time do povo, dos pobres, e o Grêmio o time da elite, dos
ricos. A generalização tem uma lógica espacial no seu começo, por conta do
passado sombrio (terrível início do século XX), mas depois se perdeu. Porém,
ela é usada até hoje (por gremistas e colorados) da pior forma possível: afirmar
uma tradição preconceituosa. Desculpem voltar a falar dos clubes da capital, é
porque estou mais familiarizado com eles, mas creio que seja a mesma coisa em
Pelotas.
Toda essa reflexão me
veio porque me dei por conta, hoje, muitos anos depois, que aquelas
determinadas pessoas que tentaram me ensinar esse preconceito estereotipado em
relação ao Brasil de Pelotas, são hoje bolsonaristas convictas. Faz todo
o sentido do mundo, não? Elas já davam mostras de que lado estariam numa
instauração de regime fascista, excludente e preconceituoso. Os tempos de hoje
são difíceis, sombrios, mas pelo menos ainda podemos falar sobre eles. O que
está acontecendo no país é o advento de uma minoria (cerca de 30%), porém
perigosa massa, que crê e segue
cegamente um homem, sua família criminosa e seu sistema que já vem matando
muitas pessoas, usando a arma da desinformação e das notícias falsas.
Quando comecei a estudar
o fascismo (ou os fascismos), há alguns anos na faculdade, confesso que fui inocente
o suficiente para acreditar que a sociedade iria aprender com aqueles erros. Voltando
mais ainda no tempo, quando o saudoso Professor Cleto, da Rural, mostrou para a
minha turma a primeira versão do filme A Onda, eu não fui capaz de
assimilar que aquilo poderia tornar-se realidade. E tornou-se, não numa
experiência de escola, mas numa experiência de país, de novo.
“Ah! Alarmista, você!
Comparando o bolsonarismo com regimes autoritários.” – Será que estamos
tão distantes mesmo? Há inúmeras mostras do quão periclitante a situação está.
Não sei das capacidades cognitivas do presidente, mas sei o que o aparato por
trás dele pode fazer com as pessoas. Foi muito fácil pegar essas pessoas que eu
citei no início da minha exposição, que já tinham o ódio e o preconceito dentro
de si, e transformá-las em verdadeiros propagadores de mentiras, dispostos a
vender sua dignidade e o pingo de caráter que resta dentro delas para um projeto,
repito, fascista.
Cabe a nós, incrivelmente
em meio a uma pandemia, lutarmos nessa guerra. Viva a cultura! Viva a
informação! Viva o amor por todos e de todos! Viva a educação! Viva o Mengo, o
Coringão, o Inter e o Brasil! E viva a democracia! Lutaremos por ela enquanto a
temos, pois será muito mais difícil se deixarmos que a tomem de nós.
Vrindecrivo!
Torcida do Corinthians
lutando por democracia, impedindo manifestações fascistas em São Paulo. “Ué! Corinthians?
O texto não é sobre o Brasil de Pelotas?” – Leia tudo, por favor!
(FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK - ACESSO EM https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/torcedores-do-corinthians-impedem-manifestacao-de-bolsonaristas-em-sao-paulo/)
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